De vez em quando a comunidade arquivística brasileira é surpreendida com atos normativos que interferem no corpo teórico da disciplina.
Fora do ambiente acadêmico, lugar ideal para a discussão de princípios e conceitos, eis que a Presidência da República, por meio de seu Gabinete de Segurança Institucional, aprova a portaria n. 93, de 26 de setembro de 2019, que institui um alentado Glossário de Segurança da Informação. Entre outros termos igualmente merecedores de análise, destacamos aquele que nos toca mais de perto: autenticidade. Por imposição legal, devemos passar a entendê-la como "propriedade pela qual se assegura que a informação foi produzida, expedida, modificada ou destruída por uma determinada pessoa física, equipamento, sistema, órgão ou entidade". Se se quiser levar a sério o consórcio de conveniência que colocou os arquivistas como primos pobres da chamada Ciência da Informação, fica justificado o desaparecimento do documento como objeto de uma prática milenar cujos fundamentos se mantiveram incólumes ante as sucessivas modificações ocorridas com os suportes, os formatos e as técnicas de registro. A norma ISO de 2016, afinal, já havia definido o documento de arquivo como "informação criada, recebida e mantida" por uma organização ou pessoa, sem provocar maiores celeumas entre os profissionais da área. O glossário recém-aprovado, no entanto, dá um passo decisivo no processo de dissolução da ciência arquivística, que em outros tempos, e por profissionais de renome, já foi identificada como ciência dos documentos autênticos, isto é, dos documentos cuja proveniência é possível determinar. A nova acepção do termo, convertida em mandamento, tem efeito devastador: equipara informação a documento; coloca no mesmo patamar elementos antitéticos, como produção e destruição; sugere equivalência entre autenticidade e veracidade; e liquida, de uma única penada, o conceito mais requintado da Arquivologia. Vamos engolir mais essa?
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